quinta-feira, 29 de março de 2007

Personificação



Não force a caneta.
A tinta não sai no papel rasgado.
A caneta tem de passear.
Voar nas letras,
Mergulhar nas almas,
Rasgar os silêncios,
Ouvir os mudos.

Não use tinta vermelha.
Ela corta as asas
E apodrece as árvores.

Não amarre a poesia.
Pássaros sem asas
Ainda querem voar.

Não espere
O beijo do papel.
A tinta pode estar fraca.
Mas sua alma é fosforescente.

Dá-lhe vida!

A vida não se faz
Com amarras.

A tinta não acaba.

Mas o vermelho
Seca.


sexta-feira, 16 de março de 2007

Um Outro Dia

Leia primeiro o post 'Fim do Dia'


Era uma pontualidade de um relógio. Seu Pereira subia com seus passos lentos e distraídos a ladeira da Athayde toda quarta, sempre às 18 horas. Subia com uma bicicleta azul, com super-heróis desenhados e uma pequena bola de futebol decorando o guidão. Apesar de a ladeira ser um pouco longa, Seu Pereira subia sorridente. Já era um senhor de idade. Era costume alguns velhos ficarem na praça conversando ou jogando dominó. Mas Seu Pereira subia apenas para ficar empurrando a bicicleta. Poucos entendiam aquele lazer tão excêntrico do Pereira. Já deveria estar doido, pela idade. Só que ninguém olhava para a cara dele. Ninguém via o sorriso dele quando começava a equilibrar a pequena bicicleta sem que as rodinhas de apoio tocassem no chão. Às vezes ele parava e ficava olhando a bicicleta durante um bom tempo.

Alguns já chegaram a perguntar a Seu Pereira o porquê dessa atividade. Ele sempre dizia que era para lembrar do filho, um médico muito famoso que vivia viajando para ajudar as pessoas. Era um moço bonito, alto, inteligente e prestativo. O filho sempre se lembrava dele. Ligava toda hora, mesmo quando estava em outros países. Era um garoto de ouro! Seu Pereira tinha brilhos nos olhos quando falava de seu tão querido filho. Sabia que ia encontrar ele no dia seguinte, pois era seu aniversário. O filho fazia questão de ir comemorar na casa de seus pais. Devia tudo a eles.

Tempos atrás, Seu Pereira tinha muito medo de perder seu filho. Vivia numa rua violenta. O garoto era inocente. Ia pra rua jogar bola e nem nunca pensava em alguma coisa ruim acontecer. Antes que acontecesse alguma coisa, o Pereira resolveu se mudar para a Athayde, onde o garoto passou o resto da infância e adolescência brincando alegremente pelas ruas. Nada de tiros ou gente correndo pelos becos.
Tinha muito orgulho do seu filho. Mesmo sendo um garoto ocupado, sempre dava uma passadinha no posto de saúde do bairro para ajudar os moradores. Era sempre nos dias que não tinha médico. Seu filho achava um absurdo isso. Posto sem médico?! Paciente tem que escolher dia pra ficar doente, é?

Graças ao garoto, o posto não mais fechava nos dias de quarta e quinta feira, como era de costume. Na primeira vez que o garoto entrou no posto de saúde para fazer seu trabalho voluntário, ele atendeu uma mulher em trabalho de parto. Era a primeira paciente dele. Uma criança saudável nasceu. Numa quarta feira.



quinta-feira, 8 de março de 2007

Desisto



de tentar confortar no
impossível
a dor da dança-sem-par.

Olhar mundos de amores
desabrocharem
e ver a terra rachada em
meu jardim.

Ver o tempo passar
com a chuva.

E para alguns
o Sol é
eterno...

Me acostumei com a chuva?

Não queria...

O mundo não quer.
Ele não cansa de mostrar
o que cansei de ver.

Esperança?
Ainda há.
Por isso que ainda vejo.

Mas não me iludo
mais.

Danço só ao som
da chuva.