domingo, 23 de maio de 2010

Aguarde um momento



No olhar perdido, escalando paredes e tetos e buscando um eco numa linha muda, a procura do júbilo no happy end do roteiro pré-moldado e parado em silêncio e devaneio. Nem música ou gravação: o inesperado valsa ora com a esperança, ora com a impaciência – irmãs fratricidas –, desconcertando o homem no calar-se da linha. Ponteiros, girando na tontura do tempo, tornam a dança cada vez mais veloz. O braço já se cansa e a orelha insistentemente coça. Mas outra mão dá apoio. Outros ouvidos se agoniam na mudez, fronteira de duas vozes. E um fio interminável costura tatos na espera do toque, na espera de sussurros.



terça-feira, 18 de maio de 2010

Quarto de brinquedos



Não... Sei a que custo arrasto

esse boneco espedaçado.
Sei que sou um caco,
colando passos de onde
você não andou.

Vão é esse apego ao tato
falso da fantasia,
onde insisto em me desfazer.

Mas seu desejo não é abrigo,
meu devaneio não é seu grito,
esse falso afeto não é amor.

E eu me tranco em meu quarto
de brinquedos de amores
e você joga bola na vidraça de
meus frágeis sonhos;
eu me dou corda na vontade
de um beijo de bom dia
e não dou bola pra sua rosa bailarina.
Mas eu não brinco só.



Mais autoconfiança e mais outra música. =)

sábado, 15 de maio de 2010

Ponteiros e encontros



I

Padrasto do conhecer,
o Tempo, em marcha incerta,
faz dos fios do convívio
trincheiras do estranho.

Tirania trilhada no
transversado olho,
no silêncio do ignoto,
inimigo, ingrato e outro.


II

Pedaço do conviver,
o Tempo ata,
nas veias do laço,
a vereda dos sorrisos.

No ritmo do acaso,
tatos poucos tocam-se
no singelo segredo
do infindo apego.


III

Outro espelho
reflexo refratado
retrato resquício

cravado no peito
lavado de afeto
banhado em ira
vertendo sangue
no pulsar das horas

no ofertar da Vida.




quinta-feira, 13 de maio de 2010

Propaganda enganosa



Minha mãe nunca estava satisfeita com o que fazia.

Minha irmã achava que o mundo era um completo ‘sim’.
Meu pai era uma distante sombra de ordem e obediência.

E toda manhã a margarina da propaganda lambuzava a mesa
na esperança de que ao menos sorrisos amarelos surgissem.



segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Anonimado



A oculta letra,

rabiscada no estranho desfacetado,
no escuro espelho:
disforme
nos reflexos do sentir.

As molduras do vidro,
outra pele a cortar infinitos
na ilusão do pleno,
tingem a imagem
com o indizível cinza
do silêncio.

Retrato silente
na mudez do traço:

invisível ao corpo

que no reflexo se desvê.

Invisível ao outro
que no desejo se quer ver.



domingo, 9 de maio de 2010

O ilhado



Perdido em uma garrafa errante na insana tormenta, parecia esconder uma alegria naquela canção, escrita num papel amassado dentro do vidro viajante. Embora errante e muda: o mar, nas suas vagas, velava o som com um silêncio azul. Resgatado por barcos quaisquer, o frasco, nada tendo de especial, era logo arremessado novamente ao oceano, continuando a vagar na ilusória bonança da esperança. A sinfonia silente segredava um ‘sim’ a um sorriso, ao sonho, ao que, na ilha, não havia – por mais que outros teimassem em ser habitantes dela. Nem o solitário habitante lembrava ao certo da canção, rabiscada em leves traços numa folha improvisada. Precário vidro, frágil página de um outro frágil, sentado debaixo de um coqueiro, enjoado pelas voltas do mar e murmurando trechos da fragmentada música: pedaços de notas nadando no mar das vontades, mergulhando em um íntimo escondido nas areias do esperar.



"Intacto"




Não fizeram grandes planos ou fugas homéricas. Ao menos marcaram pra sair. Num banco, ao som de folhas, pássaros e serrotes sanfonando numa obra inacabada, sentaram-se. Nem perguntas ou risadas. Estavam agora acesos por outra inocência, desajeitada e perdida no infinito dos desejos. No escorregar da timidez, os olhos encontravam o chão, pernas a tremer e rostos. E, repousando-se um no outro, o silêncio do agora, ecoando o calor dos singelos carinhos.


terça-feira, 4 de maio de 2010

Sussurros


Liberdade na vida é ter um amor pra se prender.

Fabrício Carpinejar


A falta de ar, germinando vida

no pulso arrítmico das palavras.

O peito estala os longos versos
de um sentir profundo e pleno

e uma voz embaçada de carícias
sopra calafrios, úmidos toques

desconcertando o frio do sonho
no bálsamo ardente dos corpos.



sábado, 1 de maio de 2010

Acróstico apocrifamente pedagógico



Falácia na fala profética, beijando

As almas bem-aventuradas, cravadas em
Cruzes arrastadas pelo santo ofício
E entregues aos desmandos da Legião mestra:
Demônio vestido de utopia, vestindo Cristos no ermo Inferno.