quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Parábola Cordial


Não pensemos que o que possuímos no peito basta para ter tudo. Esse órgão que em tudo quer mandar e viver pode nos levar ao mais infeliz, porém normal, dos enganos do homem. Pensemos que esse órgão - o coração, para sanar as dúvidas dos mais desatentos - seja uma casa; uma ampla e bela casa, típica dos mais bucólicos interiores. Daquelas que não se fecham as portas ao dia e não se trancam ao anoitecer. Nessas casas, entram aqueles que, pelas circunstâncias da vida, são convidados por elas. Daí ficamos, como se em casa estivéssemos. Aproveitamos a estadia e, quando chegada a hora de partir, da mesma forma que todos os anfitriões fazem, desejando a extensão da visita em sua casa, ouvimos desejos de permanência, nem que seja por apenas alguns minutos. Mas é hora de sair; mesmo que não se fechem, há as trancas do tempo, que dizem quando se deve fechar uma porta. Saímos num misto de conforto e saudade, sem saber realmente o que, de fato, queremos. Era hora de dar um ‘até logo’ à tão bela casa, mas o abraço aparenta ser em uma tábua de salvação. Assim como a visita, os mesmos sentimentos envolvem as casas; não poderiam eternizar uma visita, que, na própria palavra, denota efemeridade. Mas o mesmo tempo que passou o cadeado nessa porta pode, um dia, voltar a abri-la. Mas hoje, talvez, essas casas tenham sido demolidas e, nos seus lugares, levantaram grandes celas. Grandes, incomparáveis às antigas casas, que pareciam abrigar anões. Nesses grandes grilhões, passamos desconfiados, a olhar de soslaio, temendo a intimação feroz das barras de ferro, que misteriosamente refletem os olhares. Ao contrário daquelas antigas construções - agora ossos enterrados -, dentro dessas novas havia muitas pessoas, e, com olhares tristes, vagueavam as íris para cá fora. Ao perguntarmos a um dos cativos o motivo de sua entrada nas celas, um deles respondeu: ‘estava vazia e parecia confortável. Não vi os outros aqui.’. Estranhamente, ao passo que mais gente entrava nas celas, ela nunca se enchia, ao contrário do que aqueles antigos casarões de que antes falávamos, que, com apenas uma pessoa, se completavam (as visitas também se enchiam, como se vivessem a comer do bom e do melhor). Agora nem o tempo, muito menos a piedade, chegava a essas barras. A ferrugem ardia toda a prisão, mas ela se mantinha firme no seu tão cheio vazio. Talvez tenhamos demolido muitas daquelas antigas casas.

Mas alguma coisa nos diz que essas casas nem tenham sido derrubadas. Com o tanto de grades que há nas janelas de hoje...

domingo, 18 de janeiro de 2009

Cerca




Certo que ao menos o céu traria uma luz, sentou. Eram daquelas esperanças que, desesperadamente, resolvem insurgir nas sobras do que um dia se pôde chamar de fé. Talvez seja apenas outra forma de fé; a última. Nem nuvens passavam para ver aquele cidadão sentado em uma pedra, catando restos de sombras de um arbusto que, pelado, fazia mais caminho ao sol que sombra. Desenhando o nada num chão com um galho, levantava a poeira da terra seca e vermelha que servia de tapete pro seu caminho. E nesse risca-risca aleatório, Josval começa a desenhar seguidos ‘éles’; continuou assim até pensar no nome que iniciava com aquela letra. Com um ar vencido, apoiou com um dos braços a cabeça e o outro deixou arriado, ambos escorados pela coxa. Tentou fugir do risco que estava não só no chão, mas em seus olhos: - esperar é fazer engorda pra Morte. Mas não adiantava pensar assim se o corpo já não saía de perto do risco no barro. A estrada só tinha um caminho agora, mas esse caminho era pra longe; voltar não poderia, apesar de querer exatamente isso. Enfrentava todo ano aquele sol, aquela terra morta, aquele céu seco, sem arquear – não tinha natureza pra isso. Onde ele pisava, sabia se virar. Mas aquela marca no chão ele não pisou; era chão, mas não era terra que homem conhecia. Por isso, procurava outros cantos para seu arrumo. Era capiau; qualquer terra era trabalho. Saía de uma onde se ajeitara, mas naquele chão ele não conseguia plantar – não era terra que podia pisar. Amanhou como pôde, deu sua força, mas aquela terra não seria dele. Se era de alguém ou de ninguém, pouco interessava Josval; era ele o sem-terra. Como ficar em terra em que se planta e nada brota?
Voltou a olhar o céu. Agora, em pé, Josval bateu com o chapéu de couro na roupa avermelhada, tomou suas trouxas, largadas ao lado da pedra servida de assento, e tocou para o caminho que poderia levá-lo para alguma boa terra, que pudesse colher algo de verdade pra sua simples vida de sertanejo.