sábado, 13 de junho de 2009

Status: Offline



Aviso aos navegantes: farei uma cirurgia no rosto e terei que ficar um tempinho ausente da vida online. Dessa forma, o post abaixo será último até meu retorno, em agosto.
Quem sentir saudade (?) dos textos pode dar uma vasculhada nas postagens mais antigas do blog.


Até lá!

Alex Pitta



O que não é espelho, morto está


Súbito, levanta-se, olhando para a porta. Não mais era madeira, mas sim seu corpo servindo como limite entre o corredor e o quarto. E não mais eram objetos vários os objetos do quarto – seus livros transformaram-se em mãos, pés, cabelos e olhos. Atônito, Euler salta da cama e busca a parede mais próxima, ao lado da porta. Continuava a ver outros móveis que, num ar frigorífico, tinham suas antropoformas organizadas pelo quarto. Tocava-se; inteiro estava, acordado estava. Desencorajado de abrir (sua) porta, resolve ir à estante pegar uma mão. Ou livro. O que era...? Queria saber. Há tempos não tocava no que havia naquela estante. A única que chegava perto, Dona Gerna, malmente assinava o nome – era a empregada da casa.

Comparou o pedaço com a mão inteirada a seu verdadeiro (?) corpo: eram iguais. Não havia leitor de digitais, mas a cicatriz causada por uma queda de uma bicicleta estava exatamente igual nas duas palmas. Olhando a terceira mão com rigor clínico, passou lê-la, como, de fato, faria com um livro, o objeto antes da mutação. Via agora uma determinada passagem de um conto que gostava bastante, lido quando criança: a parte em que um louco, desses abandonados em toda cidade, é escaldado na praça, por ter dado uma rosa a uma mulher. Lendo isso, a mão sangra. Junto ao grito, Euler a arremessa longe de si, voltando ao pânico que estava ao acordar. A porta! Tenho que sair daqui agora! Apenas diz. Nada faz. Olha seus pés e os vê na estante, assim como a mão, agora empoçando o chão com seu sangue. Os da estante, esses pés estão calejados, diferente dos que estão no corpo de Euler, cuidados a carinhos de pedicure e pantufa. Dessa vez, não quis tocá-los. Lembrava do livro que (antes) fica(va) ali. Sobre um viajante. Não chegou a terminá-lo (sua vida corria demais pro preguiçoso ócio alcançá-la). A janela!, virando-se para o lado direito, Ainda é janela...! Era como se a vista do 5º andar pudesse curar a vertigem que seu quarto o trazia. Olhava primeiro para o céu, vendo as poucas nuvens, que cediam espaço para incontáveis estrelas. Era essa a vista que sempre tinha antes de dormir – a janela fica ao lado direito da cama, o que tornava o contar-estrelas cantiga de ninar.

Euler passa a ver agora o vazio da rua. Uma lixeira. Prédios. Prédios. Prédios. Prédios. Carros estacionados. Postes. Luzes. Escuro. Luzes. Escuro. Com a vista mais acostumada com a altura, percebe que as luzes dos postes, além de piscarem, mudam de direção. Passeiam por cima de pés-carros, portas-corpos, bueiros-bocas, outras janelas. Parecem controladas!, e uma o mira. É um olho! Como se, numa perseguição, fugisse da lanterna de um caçador, Euler se agacha. No reflexo. Mais uma vez, observa a porta. Mais uma vez, não. Tateando a sacada da janela, levanta-se lentamente. As lâmpadas continuavam a passear pela rua, fazendo se esconderem as sombras. Não reconhecia aqueles olhos-luzes. Não pareciam ser os seus. Eles varriam tudo, como se nada pudesse se esconder. E nada lá fora era seu corpo. Outras peles, outras cores, outras gorduras, diferentes do seu corpo. Precisava entender o que estava acontecendo em seu quarto para poder, lá fora, ver os outros corpos. Não sabia porque estava pensando isso, mas sentia que deveria ser assim.

Volta-se ao quarto e anda até o armário, ao lado da estante. Havia um espelho na parte interna da terceira porta. Queria se olhar para, talvez assim, poder entender um cisco do que está acontecendo com ele. Antes de abrir, acende a luz; queria ver claramente a si. Mas, ao abrir, não vê nada. A janela está, parte da cama também, assim como um canto mofado pelas últimas chuvas, mas Euler não. Ele não está no espelho. Querendo não acreditar no que estava não vendo, esfrega o espelho, como se uma sujeira impedisse sua imagem. Mas era isso: lá ele não estava. Havia visto suas mãos e seus pés, além de ter se tocado. O que é isso agora? Fecha a porta do armário desesperadamente, esquecendo que uma das dobradiças já estava ruim. Com isso, a porta cai no chão e o espelho espatifa-se. Euler recua para não ver mais pedaços de si pelo quarto. Ao se aproximar, vê cada pedaço do espelho mostrando uma parte de seu corpo. Agora conseguia se enxergar, mas não inteiramente. Os olhos estavam num pedaço minúsculo, quase desprezível. Invisíveis. Voltava a ver os subjetos da estante. Poderia montar um outro Euler com os livros-corpos. Iguais à porta. Iguais a ele (?)... Não sabia realmente quem era ele; se (os) pedaços ou o que estava ali, pensando e se procurando em espelhos.

Agora encarava a porta. Andando lentamente, indiferente aos cortes causados pelas pisadas nos cacos, aproximava-se dela. Euler para. Corpo a corpo consigo mesmo. Não poderia atravessar aquela massa inteiriça em sua frente. Lembra-se de um detalhe óbvio: corpo não tem maçaneta. E via: a porta era um espelho. Ainda inteiro.



quarta-feira, 10 de junho de 2009

Diálego


– Quer?

– Não, não...

– Ah... Queira!

– Mas não quero.

– Ih...

– Que foi...?

– Que chatice a sua!

– Por quê?

– ‘Não quero’, ‘Não quero’, ‘Não quero’...

– Sim... Qual o problema?

– Nada... ... Você não quer!

– Então queira você!

– Eu não. Já me satisfiz.

– Há!

– Hã?

– Você disse ‘eu não. Já me satisfiz’. E eu acho que não.

– Por quê?!

– Você quer que eu queira. E eu não quero.


...


– Não vai falar mais nada?

– Falar o quê?

– Esquece...

– Ok... ... Vou falar, ou melhor, voltar a falar: você quer que eu queira. E eu não quero.

– É... Nunca quer nada.
– Você não entende. Eu quero o que eu quero.