“Não sei.” Disse, virando o resto da cerveja. Segurando o copo vazio com as duas mãos, com os braços apoiados na mesa e encarando-me, repetiu: “Não sei.” Desviei o olhar de seu rosto, procurando no ambiente algum fôlego perdido em uma mesa vazia, numa flanela de garçom ou nas grades de um grupo alegre e desequilibrado. Mas eu tropeçava e escorregava no nó de minha garganta. “Não sei.” Eu entrelaçava as mãos, como se começasse uma prece, porém minha memória nunca foi afeita a eucaristias. Aliás, o que esqueço é minha salvação.
A certeza que me rodeia é a tarde. O sol das 15h, em céu aberto, passeia nas árvores que desenhavam sombras no bar onde estamos. Eu ficaria até o pôr-do-sol, e o tempo pra mim não importa mais. Nem o sol. “Não sei.” Ainda com as mãos, trêmulas, em volta do copo, eu tento encará-la. Fachos a iluminam, desenhando claridades no seu rosto, alheio. Baixo. Oco. O que tento dizer ficou no som dos galhos sacudidos pelo vento da orla. “Não sei.” Ela não se move; nem ao menos seu tique insuportável de balançar a perna ininterruptamente surge pra dar movimento a nós, duas estátuas sendo contempladas por uma brisa e um sol sem graça.
Lembrei que, quando guri, o mar era meu amigo imaginário. Minha mãe sentia vergonha de minhas conversas com esse grande amigo, que às vezes berrava ondas, desafiando-me. Ele sempre falava, falava, falava. Até nas calmarias, quando, em cochichos, vinham piadas sobre os estranhos de roupas coloridas na praia ou das moças bonitas que eu, criança, sonhava casar. Quando não sei, o mar parou de conversar comigo. “Não sei.” E agora tento tirar dele, longe, alguma onda. Marola. Até um castelo de areia que ele vivia levando de mim. Mas nada vinha. Nem o garçom. “Não sei.”
Ela se levanta, dizendo que depois conversaríamos. “Não sei.” Ainda tentando ouvir mares, balanço a cabeça afirmativamente, mas nesse meneio nem o gringo bêbado, solitário e risonho da mesa 08 acreditaria. Eu o olho, enquanto, em meu corpo, a sombra dela passa, dirigindo-se à saída. Encho o copo de cerveja (outro garçom resolveu me atender). Deixo o corpo cair na cadeira e, ao pender para trás, minha cabeça recebe todo o sol no rosto. 16:30. “Não sei.” Sentado na balaustrada, minhas mãos suam. Lembro-me da catequese, que se estendeu por dois anos, “para a manutenção da fé nos novos.” Não há orações em minha mente. Ouço o mar ordenando ao sol seu repouso. Ele sempre gostou de ser maior. Desde a época de nossa amizade que eu sabia de sua inveja: ser figurante para uma pequena bola de luz o fazia urrar tormentas nos pequenos barcos da praia. Mas só eu ouvia seus lamentos. “Não sei.” Era isto que eu ouvia no bar: o pôr-do-sol. E uma estranha sede passa pela minha garganta, que, entre nós e securas, me faz engolir o inesquecível.
Sem preces ou botes, resta-me conversar longamente com o mar e olhar não mais o sol, mas uma criança, alegre, construindo, cuidadosamente, um castelinho de areia. Com os pais afastados, seu pequeno universo moldava-se em suas fofas mãos, deus de fraldas e inocências. E, por enquanto, nenhuma onda parecia ameaçar aquele pequeno mundo.
Olhando-a, esqueço de mim.