sexta-feira, 27 de março de 2009

Restou o cascalho, apenas



Não tinha mais o sabor do arco-íris nas mãos.

Olhava o chão, frustrando esperanças:
e apenas o sol. O sol.

O fresco frio se foi
e as gotas que escorriam nas mãos secaram.

Ficou apenas o triste grude
do sorvete cadente.

E o sol

rachando olhos e boca,
matando o colorido que,
das mãos da chorosa criança

derrete no agora-cinza à sua frente.


quinta-feira, 19 de março de 2009

Letargia


Foi só o tempo de olhar para o lado. Quem o chamou não estava mais à vista. Caio acordara no meio da noite com uma voz a chamar. Estava sozinho e a casa era pequena. Não havia como ser alguém conhecido. Ou havia? Depois de erguer o tronco da cama, continuou a olhar atentamente para a porta, tentando ver, ou imaginar, algum corpo que mostrasse ser autor do vocativo. Nada. O abajur havia quebrado; a única forma de iluminar o cômodo era pelo interruptor. Caio hesitava; tinha certeza de ter ouvido alguém o chamar. Faltava seus pés tocarem o chão para verificar. Mas se não mora ninguém comigo, como alguém me chamou? Os sons de fora se misturam com pensamentos; a chuva forte afina-se com os relâmpagos, deixando ainda mais nebulosa sua mente. Certo. Deve ter sido devaneio meu. Algo lá fora fez um som e achei que fosse comigo. Não se lembrava dos seus sonhos; coisa comum. Cruzando as pernas na cama, mais uma vez Caio olha para a porta do quarto, aberta, na tentativa de enxergar algo. Escuridão. Seus olhos não se contentam com o vazio. Relâmpagos caem. Com a luminosidade, um vulto se forma ao fundo do escuro, do outro lado da porta, perto do corredor. Agora eu vi! Sim! Tem alguém aqui em casa! Caio, quase caindo, recua até o canto da cama, tenta ligar o abajur, que não responde. Gotas se esbarram nas telhas, folhas e na calha de plástico; o vento geme ao passar pelas frestas da janela; a voz o chama de novo. De novo. Seus olhos procuram outros espaços escuros do quarto – há um canto restante, escondido pelo armário. O lado de fora da janela parecia um mundo de possibilidades; quem me chamou poderia estar lá agora. Voltava a olhar o corredor, esperando outro raio de luz para guiá-lo; os pés não saíam do cobertor quente. O canto do armário era espaçoso o suficiente para alguém se esconder; já fiz muito isso mais novo. O canto perfeito para choros pós-surra de mãe. Alguém poderia facilmente estar ali, sentado. Outro relâmpago. Caio vira-se para o corredor novamente. Nada. Sem mexer a cabeça, olha para as extensões do quarto, inclusive para o teto. Ele não olha para o chão. Os pés não se movem para pisá-lo. Deve estar lá fora. Com certeza já saiu. Mas nenhum barulho indicou para isso. Sem passos, sem maçanetas, sem batidas de portas. Caio tenta ouvir algo que o guie; chuva, trovões – barulhos. Seus olhos veem apenas em flashes.

Agora deitado, Caio tenta voltar a dormir. Seus olhos fixos no teto passam um bom tempo nessa ação. O sono demora a vir. Novos relâmpagos, mas agora o sono é mais forte. Os olhos fecham-se vagarosamente. Pendendo a cabeça para um dos lados, Caio adormece. Os barulhos se emudecem, e outras vozes o chamam.