sexta-feira, 22 de junho de 2007

Frio


Pensou sozinho. Talvez um raio no meio da cabeça resolvesse isso de uma vez. Já lhe bastava a agonia de ouvir suas meias enlameadas dentro do sapato. Desistiu de sentir a chuva. O guarda-chuva, pra variar, voou na primeira brisa. O tempo cinza deixava colorido apenas a lama que escorria pelas ruas mal-asfaltadas. Só o que se via era o barro. O homem caminhava lentamente. Já não importava mais sua casa. Não sabia onde ela ficava.
O tempo chuvoso deixa as pessoas mais apressadas e as ruas mais desertas do que elas já são. Gotas na cabeça. Batem ferozmente. Luis pensava se seria melhor voltar para casa, tomar um banho quente e deitar em sua cama. Não iria conseguir. A chuva iria bater no telhado. Melhor se encharcar, pisar na lama, sujar os pés. Não tinha certeza, na verdade. Não sabia. Lembrava do que antes havia acontecido. Lembrara que aquela chuva era nada perto do que acontecera. Tinha vergonha de sentir frio. Tinha pavor de sentir frio. Queria esquecer sua casa. Ela o prendia. Antes não ouvia a chuva bater no telhado, mas agora Luis sabe que ela não o deixará dormir. O vento baterá as janelas, as gotas continuarão batendo em sua cabeça. Nunca deixará de sentir frio.
Teve vontade de se encolher. Levantou os braços até o peito e se abraçou. Passou por algumas pessoas abrigadas em uma loja de sapatos. Parou em frente a uma vitrine. Sapatos bonitos, novos. E o seu era barro. Ficou um bom tempo a olhar a vitrine. Nenhum vendedor se aproximou. Luis não tinha bem uma cara de cliente. Os sapatos atrás da vitrine. Novos. Luis baixou a vista e olhou os seus. Continuou baixo e olhando, sem saber.
Voltou a andar pela rua. Trombando com guardas-chuva, Luis apenas olhava seus sapatos. Pensava se podia ao menos comprar um outro guarda-chuva. Não resolveria? O frio continuaria, mas as gotas deixariam de crucificá-lo. – Não sei. Os passos se seguiram. O vento alimentava o frio. O abraço há muito deixou de aquecer.
Luis pára. A rua, sempre vazia, agora está desabitada. Ele olha para o céu. Olha as gotas caindo como flechas diretamente em seus olhos. A lama não saía do sapato, apesar da chuva. A rua. Luis puxa um envelope de seu bolso, abre e o relê. ...se você ao menos me sentisse. Uma gota caia em Luis. O frio aumentava ainda mais. A gota escorre o seu rosto, descendo até o papel. Ele queria voltar. O frio não deixava. Luis ouve um barulho em um toldo que cobria a frente de um prédio. Havia um mendigo que, ao vê-lo, pôs a se levantar. O frio aumentava. Luis ficou atento ao homem que se dirigia a ele com um guarda-chuva bem velho, pelo tanto de furos que tinha nele. Mas protegia das gotas na cabeça. Chegando bem próximo a Luis, o homem nada mais fez do que lhe entregar o guarda-chuva. Assim que entregou, o mendigo se virou e voltou para a sua casa.
Luis tentou se esconder do seu pânico, mas o guarda-chuva estava em suas mãos. Ele olhava o mendigo atentamente. O homem havia se deitado, cobrindo-se com um pano velho que mal dava para se aquecer. - Ele esteve sempre ali? Uma gota atravessa o guarda-chuva. ...se você ao menos me sentisse. As mãos de Luis tremiam descontroladamente. O frio estava insuportável. – Quero minha casa. Mas olhou pro mendigo de novo. O guarda-chuva se rasgou. As gotas são intermináveis. Luis volta a ler a carta. Um vento súbito e forte afronta Luis. A carta faz algumas danças no céu e cai em seus sapatos. Ainda na esperança de que a carta não se suje, Luis a pega num gesto rápido. Mas ela já estava em seus sapatos. E a lama apagou toda a tinta.



*o nome da personagem não tem relação alguma com a vida de conhecidos meus.


sábado, 9 de junho de 2007

As Formigas


Lá se vão as formigas.
Seguem mudas e cegas
o seu caminho.

Enfileiradas, as formigas
trabalham.
Sem contas, sem carros,
sem problemas.
Apenas buscam comida.

em fileiras, seguem em
silêncio.
Constroem colônias,
catam folhas,
acham comida,
juntas.

Matamos as formigas
que mexem na
nossa comida.

Formigas atrapalham.
Em grupo, buscamos o primeiro inseticida que vemos.
Em grupo mexem
em nosso lixo,
na comida do cão,
no pão dormido,
e assim vão mexendo em tudo...

Se uma formiga
corre perdida na mesa,
matamos com um dedo.

Mesmo com uma morta,
as formigas seguem.
Trabalho silencioso,
em grupo.

Inseticidas não funcionam.
Ninguém sabe onde fica a
Colônia.

Também pouco importa:
são formigas.

Saudações a Igor Rossini


sábado, 2 de junho de 2007

Alucinação


Meus pés presos ao chão.
Apenas olho o céu.
Não vôo.

O chão vira gelo.
O frio me faz sentir dor.
Sou fraco?

O céu chama.
O sol derrete o cimento,
mas afundo nele.
Não há vôo.

Alguns voam felizes.
Olhos queimados
deixaram de ver.

Os que caem,
morrem.

O chão é duro.

Mesmo que agora
minhas asas batam,
estou mergulhado.

E o sol está secando
o cimento.