domingo, 28 de setembro de 2014

Via Láctea


Não vi a noite naquele universo
quente, de claro afeto e calma.

Um som rasgava minhas órbitas
mortas há milênios-luz,
e um sol tonteava astros em mim.

Afundava-me no Branco,
pulsante, como o primeiro fogo –
o verbo que, de sua boca,
brotava a aurora do universo.

Eu desvia a vida em que afundava,
secando-me de vácuo e frio:

quando mudo me quis Lua,
explodi, supernova.

E da luz aberta,
num Todo-horizonte,
era eu clareira,
caminho,
você.

domingo, 21 de setembro de 2014

Apneia


Mergulho, afundando o fôlego
na calma azul do dia, de marolas e suspiros.
O ar percorre o corpo – sabido do fim –
inundando de mar as veias.

Os braços soltam-se, abertos,
percorridos de desejos molhados,
e um sol educado põe-se,
tingindo laranjas no mar incandescente.

Os olhos fecham-se, serenos,
despindo sinestesias.

– Dispo-me da superfície insossa e seca –

E, a fundo, ignoro o ar que finda,
feito de futuros e securas.
As águas que me respiram carregam
o gosto de sol, sal – seu –
na noite navegada de universo.

– Pulmões extasiam-se num gemer abissal –

No mar em que amanheço,
ecoo marulhos, acordado de distâncias:

respiro gotas, infinitas, de um
atlântico vermelho, pulsante.

Auroras irrigam valsas
de meu vasto e rochedo peito.

sábado, 20 de setembro de 2014

Abissal de Narciso


A última gota esvai-se no espelho.
Borrada, escorrida de incertezas,
trança frestas sentidas.

Há silêncios trincados – veias expostas
de um moribundo sorrir, sonhar.

O dilúvio em cacos,
mar de eus náufragos:

ilhados na areia ferina e fervente,
evaporando o traço rascunho –
antes falésia dos olhos altos,
mirados ao céu, apoiados em águas.

                           .   .   .

Os cascalhos chacoalham ecos,
seixos de si, saudosos,
sedimentos sentimentos:

um rosto apagado,
alagado de pó,
vento
e nada.






quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Aquário de náufragos



Há um lago de tormentas represadas,
de um claro-calmo falso,
margeando o incabível.

Um dia infinito - marítimo querer -,
o espelho d'água parte-se
em abissais,

e o mergulho,
derramar-se da alma,
agora afunda, sufocante,
a íris que grita
o reflexo.

O oceano que se desfaz,
espirrando o lago,
é eco de longo anseio
de um frágil nadar,

despido de face, fé
de fôlego -

de fim.