segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Pensamento dos dias parte 12



O avião, passando pelo Cristo Redentor, deixa, no traço do céu, a lembrança daqueles que não mais poderei abraçar.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Ruínas de uma casa sem portas



Tire sua falta

de tempo
desta casa,
dessa sua
cara amarrada
em ofícios:
o ócio, meu
bem – meu amor.
Os olhos também
tem carícias.

Deixo o que me
sobra nesta casa:
nesse caco que
outrora foi laço,
nessa amargura
em um oco.
O ódio, meu
mal – a me matar.
Os olhos também
tem lágrimas.



quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Só, lá em si



Violão

e voz
a sós
nos dós
do si

no fim
dos sóis.



lanço
o som
seco

a mim
a ti
sentir
o som

só.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Adormecer



A noite, em negro véu,

vê a vaga volta da vida,
que no dia
se vira
viva.

A vida vaga
agora se vira
na ida erma
ao oculto véu,
sombra cinza,
silente voz
soprando
o silêncio.



terça-feira, 17 de novembro de 2009

Pensamento dos dias parte 11



A simpatia é o dom dos humildes, o conforto dos carentes e a arma dos idiotas.



quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Fim do ranger



E tinha certo cuidado, como com tudo aquilo que possuía valor. Esse ‘tudo aquilo’, na verdade, não passava de uma coisa só. Talvez não valesse nem uma moeda velha, mas para aquele velho solitário, era o que o mantinha vivo. Os anos passaram depressa; a velha cadeira de balanço já rangia seu fim. Nela, apenas viu acenos. Vários acenos. Os que se sentavam ao lado (havia esses?), nem um balanço deram. O vai-e-vem do assento ia, lentamente, acompanhando o tempo do velho. Aquilo que ele tanto cuidava era o que sacolejava a velha cadeira. Se mais alguém fez isso? Ele não acreditava. Era sozinho: nisso sim ele tinha fé. E bastava. Balanços de mãos distantes não chegavam à cadeira.

E assim sua vida seguia. Nada mais a esperar, apenas o sossego da cadeira. E o que era o fiel enigma do velho? Ele praticamente não diz. E não adianta o pouco que se ouve: ninguém entende. O velho apenas murmura: ‘algo balança esta cadeira’. Vida estranha a desse homem... Olhar, sozinho e sentado em um amontoado de madeira velha, o mundo passar. Nunca se levantou! Comentários feitos pelos outros que, chegando aos seus ouvidos, faziam com que ele mostrasse um triste sorriso. ‘As mãos continuarão distantes. Elas não balançarão minha cadeira; me empurrarão ao chão’. Dizendo isso, apertava ainda mais o misterioso objeto que ele tinha. As juntas da cadeira de balanço soltavam sons mais fortes. Se é dor, se é medo, se é felicidade, não há como saber. O som não se entende com os ouvidos. Nessas horas de rangidos, o velho fechava os olhos, apagando a luz da realidade trazida nas mãos de aceno. Era quando o velho sorria. Raramente.

Era isso que fazia com que o velho teimasse a deixar que o balanço cesse. Sozinho está, sozinho ficará, apenas com a companhia do desconhecido objeto. Olhou demoradamente, derramou uma única lágrima em cima daquela misteriosa matéria e, como se antes não existisse, ela sumiu das mãos do ancião. Mas ele não parecia se importar – já esperava que isso acontecesse algum dia. O balanço lentamente parava seu vai-e-vem. Os rangidos não se escutavam mais. O velho então colocou seus pés no chão. Sua antiga e triste feição voltou ao rosto. Sem sair da cadeira, seus olhos se fecharam.



terça-feira, 10 de novembro de 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um corpo a cantar



Olhos claros, trazendo

os suaves passos
do seu mistério.

No de repente
da carícia,
acuado estou:
poucas palavras
escrevendo,
nos sorrisos,
dicionário
de desejos.

Coro,
corpos,
corações:
melodias
na regência
de uma maestrina.



domingo, 1 de novembro de 2009

Um mero grampo



Agora dobrado em seu vazio, abraçado ao passado vestido de um pedacinho de papel. Antes útil: metal, elo, folhas juntas – um livro. Na verdade, xerox, mas os direitos autorais não embargam a beleza das letras. O grampo era a corrente das páginas daquela história leve, lida em breves horas. E era sua alegria se entrosar naquela pequena história que nunca terminava. Não apenas fazia com que um ou outro lesse o texto sem se perder em papéis soltos, mas também se deleitava com a história. Também a construía.

Mas o grampo era fraco. Fino. Queria ser personagem naquela fábula, queria estar nela. Mas o canto era seu lugar. A assistência para que a história fosse bem lida. Não devia se iludir: o ferro fino que era faz da sua fé ferrugem. O abraço em folhas era alegria, mas o vácuo se intromete nos braços. O grampo era só e suas folhas eram sua história.

Voam-se as folhas, soltas, no ar, alheias aos braços abertos do grampo, pedindo-as de volta. A história ainda vivia? Decerto. Organizaram-na numa encadernação: capas duras que vento ou tempo não podem ferir.

O grampo, no chão, desusado. Um pedaço de folha ainda preso nele. É o que ele pode ter. Era o que a história poderia ser para ele. Nada mais.



sábado, 31 de outubro de 2009

A companheira



Os giros certos

nos passos marcados
nos pares, nos pés,
na valsa viva
de voltas ocultas.

Em seus braços caio
em tonturas,
tatos, gostos,
destinos,
e sem me tocar
me desatino:

a senhora segue
sua valsa
e eu repouso
em pés que
não mais dançam.



domingo, 25 de outubro de 2009

Eternidade



A máscara da alegria

num breve beijo.

O adeus num aceno
saudando esperas.

O olhar empurrando
os ponteiros do tédio.

Deus a brincar de se esconder
no céu com o nebuloso fiel.

O homem vendo no espelho
os erros que ele não pode quebrar.



quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fim do recreio



O canto
como trono
do bobo –
reino
de tolos.

Gesto incerto,
tropeço,
desgosto.
Choro


...

lúcido.

O sinal toca
e logo todos
voltam para
a sala de aula.




quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Supernova



No infinito espaço, a busca de

uma estrela entre buracos negros.

O telescópio mira brilhos distantes.
Luz ilusória: o contemplar é frio.

Estrelas cadentes não interessam:
apagam-se na Terra.

E assim, no desejo se mantém
a busca do quente e eterno astro.



quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pensamento dos dias parte 6



Um enchendo o saco do outro até um dos dois perder a paciência a ponto de nunca mais se falarem. Essa parte não chegou. Isso é amizade.



Falha na Memória



Teclas, links,

nomes, nicks,
foto, click.

Moldura em leds
de um retrato
preto-e-branco.

Imagem pesada
demais para ser
carregada.




Infância incompatível
com o formato do

sistema –

corrompido.



segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Acredito/ não acredito (mapa astral online)



"Pode sofrer de flutuações de humor decorrentes de um choque entre aspectos contraditórios de sua alma: o lado sagitariano do ascendente, que vê sentido em tudo, e a face escorpiana, desconfiada e muito voltada para situações de perda. As pessoas podem ficar confusas com suas alternâncias de "quente-e-frio", de alegria e mau-humor, mas com o tempo se acostumam. O que elas podem achar difícil é se acostumar com sua franqueza - em geral, absoluta, a ponto de chocar. A ironia chega a ser divertida, mas pode ser eventualmente corrosiva, é só não abusar."

Mapa completo aqui.




quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mais um, mas uns



– Ô, Rafael! Mais uma!


O pedido se esgueirava no
barulhento bar
e rapidamente
outra gelada chegava.

E outro já gritava:
– Rafa, meu brodi, uma breja,
faz o favor!

Gritos por um alguém aquém.

Garrafas iam,
vazias vinham.

Os rótulos, tirados,
colados em mesas,
brindavam os litros da alegria.

Rafael servia.
– Mais uma!

Se via nos cascos secos.
– Cadê, Rafa?!

Rafael era apenas uma garrafa cheia:
seu nome era Luis.
E seu rótulo escorreu
na frieza ébria das alegres mesas.



segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ruínas de uma casa sem portas



Tire sua falta

de tempo
desta casa,
dessa sua
cara amarrada
em ofícios:
o ócio, meu
bem – meu amor.
Os olhos também
tem carícias.

Deixo o que me
sobra nesta casa:
nesse caco que
outrora foi laço,
nessa amargura
em um oco.
O ódio, meu
mal – a me matar.
Os olhos também
tem lágrimas.



sábado, 3 de outubro de 2009

Pensamento dos dias parte 5



Para um elogio recebido numa sexta-feira.


Corpos são peças num
infinito de encaixes nascidos pelo abraço.




sábado, 26 de setembro de 2009

Setembro



Um carro furtando uma

vaga no engarrafamento
da vida.

Sem tempo.
Sem tom.

Desacordes buzinados
de fuligem na marcha
turca, toccata em tango.

Sem tempo.
Sem tino.

Tinha uma pelúcia
no banco de trás.
Há um sinal verde
à frente.

Sigo tempo.
Sem rumo.

Sem tempo.



quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pensamento dos dias 3



Caído, o pirulito. E o choro, na esperança da desqueda. Assim também são lágrimas: caem no desejo de que se façam subir coloridos do sujo chão.

Mas nem a mais sonhadora criança consegue tal feito.



terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pensamento dos dias 2



Um cego guiado por um cão raivoso deixou de amar. O faro canino apenas sentia pólvoras. Seu fiel amigo à sua escuridão fazia perfeita companhia: os olhos enganam; o rosnado é sincero. Mostra o que só eu enxergo.


quinta-feira, 17 de setembro de 2009

MacGyver, give up!



Bomba em corpo, alicate nas mãos – nãos. Pino ao chão
tique, mão no peito taque; aperto perto da dor. tique Ponteiro não tem ré taque e, conquanto ande em voltas, não para para destontear. tique Pouco tempo e muita taque bomba. Pedaços de corpos antes do tique fogo. Contagem regressiva com zero taque a cada segundo, e o fio azul não existe. tique Todos são vermelhos – incortáveis veias. Incontáveis taque feras. No desabraço o tique-taque talvez viesse o extintor. tique Mas o taque o apagar é tique repor o taque pino. tique taque tique taque tique taque...



sexta-feira, 11 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

Saco vazio não para em pé



O suave desejo:

mel transmutado em carinho
torna a massa doce e dourada.

Mas o saciar
para na goela:
a delícia do sabor não alimenta.
Temperos ardem, mas não enchem.

Açucarado, delicioso.
Mas o fermento é pouco.

Veludo de toques
que voam como farelos.
E o corpo cheio de fome.

E a tensão da espera:
poderá repetir o prato?

E a angústia,
pão dormido e frio,
devorando o homem a cada engasgo.



quinta-feira, 27 de agosto de 2009

E não sabe que voou



Duas leves mãos. Apenas isso restava. De tão leves, voaram. Para longe. No carinho acenam um ‘Adeus!’. Seguram, e empurram. Tateiam levemente um coração e tapam sua boca, a fim de que não houvesse mais choro.

A pressa de agarrar e manter como seu não mantém essas tão flutuantes mãos perto (a força não segura o que não é posse). Aquele que sempre foi cego tinha no suave tato a vida. Tinha talvez o que nunca foi, de fato, seu. Tem agora mãos em súplica e algo que voltou a lamentar; tem agora o que nenhuma mão quer segurar – a própria morte.



sábado, 22 de agosto de 2009

Cacofonia



O choro silencioso,
uma corda levemente desafinada.
Discreta dissonância –
poucos ouvem.

Afinar a fina corda
sem feri-la.
O risco é grande:
não há outra para repor.

Parto-a de súbito,
ao tentar a perfeita harmonia
ou o esquisito acorde,
reverberando lamentos?

O vazio torna-se desejo –
silêncio cantando as notas.

O vácuo decai, ecoante;
a dissonância continua.

O desafinar sai de mim.




Mais uma vez, o espelho



Faxina no quarto: a empregada nunca deixava como estava antes da arrumação. Então Ele mesmo cuidava de organizar seu espaço. Primeiro, a poeira embora – vassoura, pano com produto de limpeza no chão; flanela úmida, lustra-móveis. Objetos reorganizados – alguns insistem em não sair do não-lugar. Rotina semanal, esforço eterno.

Agora, vidros. A parte prazerosa do trabalho; a vista parecia mais bonita do lado de fora, apesar de, por algum motivo, ninguém conseguir abrir aquela janela. A limpeza não bastava: o lado de fora continuava sujo. Alguém de fora percebia?

E abria o armário. O espelho. Cansava-se só de olhá-lo. Parece não prestar mais, só que não podia se desfazer dele. Por quê? Já estava repleto de manchas, que atrapalhavam a imagem. O tempo passava: limpa-vidros, bombril, receitas caseiras, raiva, nada resolvia. Nem ao menos diminuía os pontos. Mas toda semana tentava. É sua rotina.



sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Vale quanto pesa



Peso, preço, nota;

– Obrigado!

Fila grande,
fome sentida

não pelos outros,
clientes passageiros,

mas por ele, no desejo de ser,
vazio de tanto servir.



domingo, 16 de agosto de 2009

Órbita perdida



O homem já não dava passos leves como os de antes. Por não sentir o chão – sina dos mal-alados – acabou beijando-o em diversos buracos. E os olhos forçaram-se ao céu. De lá, não caem respostas: apenas estrelas. O chão é gelado, assim como o firmamento. Mas o azul pinta os olhos, ardil colírio (melhor do que esperar daqui de baixo conseguir abraçar todo o azul é saber se o infinito de sua alma consegue preencher seu próprio vácuo). E atrás do azul, um todo repleto de nada.





quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Hermenêutica



Uma cirurgia em seu rosto pode fazer com que você mude muito mais do que seu sorriso. E pode ser uma grande metáfora.



Enterrando alguns mortos para que, a eles, possa-se rezar uma missa em paz. Ainda há tempo de se conseguir sair do purgatório. Os ossos ficam, a carne se desfaz, e a alma se refaz.



Tela escura



Caixa pesada, encomenda a ser entregue.

Primeiro emprego, último dia a pisar numa escola
(aprendeu a difícil lição de não esperar sentado um futuro que nunca virá).
O medo dando força para sustentar o objeto embalado.
Sozinho estava:
– Gilson com mais um atestado médico e eu aqui...

Campainha, espera, espera, campainha, espera,
porta abrindo.


Nota fiscal em mãos, agora trêmulas;
a encomenda é conferida: monitor LCD;
a assinatura e entrega.

Faltava algo ainda:
dia inteiro de entregas,
garganta seca.
Língua seca,
voz seca e murmúrios.
– Por favor...

O monitor era o esperado,
não um pedinte.

Só um copo. Vida dentro.
Um pedido, um olhar. Vida.
Pedido, recusa, orgulho, ofensa. Vazio.
Olhos no chão, arrastados.

Água, água, água.

Que não sacia.
Que esvazia.



sábado, 8 de agosto de 2009

A fotografia



Aos velhos amigos

Vendi o passado, pois o dinheiro valeria para nascer o futuro. Na prateleira, revia a peça, que alguns trocados facilmente valeriam o câmbio. Mas provavelmente não haverá compradores (agora sei o desprazer de ganhar um brinquedo usado – os bonecos já vêm pintados de fantasias alheias). Espero o troco da venda, num misto de esperança e desespero. Moedas caem, ao invés de em minhas mãos, no chão – o preço da esmola. Espaços vazios na mente e minguadas moedas mantidas na mão – agora me dirijo à rua.

De fora, vejo a vidraça que separa a venda da calçada. Estranhamente, o passado, tornando-se distante de mim e parcialmente turvo aos passeantes, acenava cenas que antes eram minhas. Brigas bestas de amigos enciumados, expulsões hilárias de uma aula, uma excursão, piadas idiotas sobre fatos antigos, entre outras imagens que, foscamente, surgem do passado agora opaco.

A gente ria por cada besteira.

Eu forçava a vista para conseguir enxergar, mas a pressa fazia os trilhos de asfalto me arrastarem pra dentro da locomotiva do ofício. Ainda pensei em voltar, mas já estava seguindo a marcha. Os trocados não renderiam – e eu não via a última estação desse trem.

Não lembro mais o que deixei à venda – mente sem passado não pare memórias. Meu bolso diz que não valia muita coisa o que ficou. No andar pelas ruas, vejo alguns jovens conversando alegremente. Continuo meu caminho.








A gente chora por cada besteira.



quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Schopenhauer para crianças



O velho Arthur lembra-nos da condição humana quando colocamos um porco-espinho em nossos peitos:

"Um grupo de porcos-espinhos ia perambulando num dia frio de inverno. Para não congelar, os animais chegavam mais perto uns dos outros. mas, no momento em que ficavam suficientemente próximos para se aquecer, começavam a se espetar com seus espinhos. Para fazer cessar a dor, dispersavam-se, perdiam o benefício do convívio próximo e recomeçavam a tremer. Isso os levava a buscar novamente a companhia uns dos outros, e o ciclo se repetia, em sua luta para encontrar uma distância confortável entre o emaranhamento e o enregelamento."

Fonte do fragmento aqui.



quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Esquinas paralelas



Pedi um tempo para que você ouvisse o que eu tinha a dizer. Mas não bastaria apenas falar. Saber o que é dor é a melhor forma de se comunicar – isso você pouco sabe. Nada sabe. Pouco tempo bastaria, mas sua pressa correu da súplica. Sua pressa de ser você deixou de lado uma mão pendente.


Agora te levando, sangrando e de olhos aéreos. Seu foco se perdeu no caos. Mala pendente, terno rasgado – tiro no peito. Sua pressa desviou-o do caminho de sempre. “Por aí não!” eu disse, mas o som não dobrou a esquina. Dois sujeitos dobraram, e um disparo dobrou de volta até a mim. Levantei.

Peço um tempo para que você ouça o que eu tenho a dizer. Mas não basta apenas ver. Saber o que é dor é a melhor forma de se comunicar – isso você sabe bem. Muito. Pouco tempo tenho, mas sua pressa correu para a súplica. Sua pressa de ser você deixou de lado uma mão pendente e salvou um cadáver.

Agora não mais levanto, sangrando e de olhos fechados. Meu foco se perdeu no silêncio. Vida pendente, tempo rasgado – ponto final. Minha pressa desviou-me do caminho de sempre. “Por aqui é mais rápido” eu pensei, mas o cuidado não dobrou a esquina. Dois sujeitos dobraram, e um disparo me dobrou no chão. Caí.

Agora sou dor. Carrego o que não posso suportar e o que me destrói. Carrego as lágrimas de não poder ajudar quem está tão perto. São corpos vazios, que se aproximam sem que vejamos. Nunca vemos: pois só a dor nos faz entendê-los. Só.



terça-feira, 4 de agosto de 2009

Envergonhados



Vergonha temos do que deveríamos fazer quando pudemos ou do que fizemos sem poder fazer.
Vergonha temos dos estranhos que nos observam e de nós, que fazemos estranhos humanos.
Vergonha temos de perder, mas não de derrotar, aniquilar, matar.

Vergonha temos de pedir, porém mais vergonha temos (ou deveríamos ter) de não dar o que deveríamos.
Vergonha temos da nudez, mas do strip, só temos após a ressaca.
Vergonha temos do beijo ou do olhar, mas vergonha maior é isso ser apenas sonho.
Vergonha temos dos amigos, contudo vergonha maior é não termos alguns deles pra sentir vergonha.
Vergonha temos do outro, pois as nossas escondemos.
Vergonha é ter, no espelho, uma cara escondida.

Não tenha vergonha de mim. Não tenha vergonha de si.



sábado, 1 de agosto de 2009

Reta, retorno, círculo, ponto.



Fazer da saudade, desejoso voo,

a guia do tempo,
é trazer ao presente
um espelho quebrado;

é dar ao futuro
retalhos refletindo
memórias -
elas não se juntam.

E as horas,
antes linha horizonte,
transmutam-se
num ponto
final.



terça-feira, 21 de julho de 2009

Epílogo



Hã?

Passou.

Sempre assim:
passou, não deu, não foi
não era.

E depois?
será?, serei?, virá?,
ganhar?

Agora

sempre é:
sem ação, realização
ou aspiração.

Agora é tarde.
Agora é noite.
Agora é morte.



quinta-feira, 16 de julho de 2009

Imagem desfocada



Outrora beleza e esplendor,
faísca de amores saíam dos
lábios.

E a chuva desbotada
despia o céu do seu jeans.

As bochechas roseavam-se
frente à fotografia fiel à ficção.
Engrenagem de sonhos martelando
o intocável dela.

Vergonha do seu alado.
Agora o chão, sangrando lucidez.

Nódoa, náusea,
cachaça.

O estardalhaço do trinco,
o trepidar das pernas.
O ocioso tombava,
tropeçava.

Jeans agora rasgado.

O risco no corpo,
mordida de mágoa
na pele pálida.

Nunca mais o velho retrato.
Rasgado, como seu rosto.



sábado, 11 de julho de 2009

Longo Voo



Não posso cortar as asas que me enfeitiçaram.
Não há tesouras no amor.
Verei daqui o voo longo que o futuro lhe faz.
Farei sementes desse fantástico
que um dia me passou.

Você levará as sementes.
Outros lugares pedem.
Não posso encolher os mundos.
Os jardins seriam oásis.

Talvez você volte a voar por aqui.
Sim, um dia você passará por aqui.
Mesmo que seja apenas uma pena.

Nossos jardins estão pelos mundos.
Estaremos juntos

mesmo nos seus voos mais longos.



Status: Online



Recuperação em curso e blog de volta à atividade normal.




sábado, 13 de junho de 2009

Status: Offline



Aviso aos navegantes: farei uma cirurgia no rosto e terei que ficar um tempinho ausente da vida online. Dessa forma, o post abaixo será último até meu retorno, em agosto.
Quem sentir saudade (?) dos textos pode dar uma vasculhada nas postagens mais antigas do blog.


Até lá!

Alex Pitta



O que não é espelho, morto está


Súbito, levanta-se, olhando para a porta. Não mais era madeira, mas sim seu corpo servindo como limite entre o corredor e o quarto. E não mais eram objetos vários os objetos do quarto – seus livros transformaram-se em mãos, pés, cabelos e olhos. Atônito, Euler salta da cama e busca a parede mais próxima, ao lado da porta. Continuava a ver outros móveis que, num ar frigorífico, tinham suas antropoformas organizadas pelo quarto. Tocava-se; inteiro estava, acordado estava. Desencorajado de abrir (sua) porta, resolve ir à estante pegar uma mão. Ou livro. O que era...? Queria saber. Há tempos não tocava no que havia naquela estante. A única que chegava perto, Dona Gerna, malmente assinava o nome – era a empregada da casa.

Comparou o pedaço com a mão inteirada a seu verdadeiro (?) corpo: eram iguais. Não havia leitor de digitais, mas a cicatriz causada por uma queda de uma bicicleta estava exatamente igual nas duas palmas. Olhando a terceira mão com rigor clínico, passou lê-la, como, de fato, faria com um livro, o objeto antes da mutação. Via agora uma determinada passagem de um conto que gostava bastante, lido quando criança: a parte em que um louco, desses abandonados em toda cidade, é escaldado na praça, por ter dado uma rosa a uma mulher. Lendo isso, a mão sangra. Junto ao grito, Euler a arremessa longe de si, voltando ao pânico que estava ao acordar. A porta! Tenho que sair daqui agora! Apenas diz. Nada faz. Olha seus pés e os vê na estante, assim como a mão, agora empoçando o chão com seu sangue. Os da estante, esses pés estão calejados, diferente dos que estão no corpo de Euler, cuidados a carinhos de pedicure e pantufa. Dessa vez, não quis tocá-los. Lembrava do livro que (antes) fica(va) ali. Sobre um viajante. Não chegou a terminá-lo (sua vida corria demais pro preguiçoso ócio alcançá-la). A janela!, virando-se para o lado direito, Ainda é janela...! Era como se a vista do 5º andar pudesse curar a vertigem que seu quarto o trazia. Olhava primeiro para o céu, vendo as poucas nuvens, que cediam espaço para incontáveis estrelas. Era essa a vista que sempre tinha antes de dormir – a janela fica ao lado direito da cama, o que tornava o contar-estrelas cantiga de ninar.

Euler passa a ver agora o vazio da rua. Uma lixeira. Prédios. Prédios. Prédios. Prédios. Carros estacionados. Postes. Luzes. Escuro. Luzes. Escuro. Com a vista mais acostumada com a altura, percebe que as luzes dos postes, além de piscarem, mudam de direção. Passeiam por cima de pés-carros, portas-corpos, bueiros-bocas, outras janelas. Parecem controladas!, e uma o mira. É um olho! Como se, numa perseguição, fugisse da lanterna de um caçador, Euler se agacha. No reflexo. Mais uma vez, observa a porta. Mais uma vez, não. Tateando a sacada da janela, levanta-se lentamente. As lâmpadas continuavam a passear pela rua, fazendo se esconderem as sombras. Não reconhecia aqueles olhos-luzes. Não pareciam ser os seus. Eles varriam tudo, como se nada pudesse se esconder. E nada lá fora era seu corpo. Outras peles, outras cores, outras gorduras, diferentes do seu corpo. Precisava entender o que estava acontecendo em seu quarto para poder, lá fora, ver os outros corpos. Não sabia porque estava pensando isso, mas sentia que deveria ser assim.

Volta-se ao quarto e anda até o armário, ao lado da estante. Havia um espelho na parte interna da terceira porta. Queria se olhar para, talvez assim, poder entender um cisco do que está acontecendo com ele. Antes de abrir, acende a luz; queria ver claramente a si. Mas, ao abrir, não vê nada. A janela está, parte da cama também, assim como um canto mofado pelas últimas chuvas, mas Euler não. Ele não está no espelho. Querendo não acreditar no que estava não vendo, esfrega o espelho, como se uma sujeira impedisse sua imagem. Mas era isso: lá ele não estava. Havia visto suas mãos e seus pés, além de ter se tocado. O que é isso agora? Fecha a porta do armário desesperadamente, esquecendo que uma das dobradiças já estava ruim. Com isso, a porta cai no chão e o espelho espatifa-se. Euler recua para não ver mais pedaços de si pelo quarto. Ao se aproximar, vê cada pedaço do espelho mostrando uma parte de seu corpo. Agora conseguia se enxergar, mas não inteiramente. Os olhos estavam num pedaço minúsculo, quase desprezível. Invisíveis. Voltava a ver os subjetos da estante. Poderia montar um outro Euler com os livros-corpos. Iguais à porta. Iguais a ele (?)... Não sabia realmente quem era ele; se (os) pedaços ou o que estava ali, pensando e se procurando em espelhos.

Agora encarava a porta. Andando lentamente, indiferente aos cortes causados pelas pisadas nos cacos, aproximava-se dela. Euler para. Corpo a corpo consigo mesmo. Não poderia atravessar aquela massa inteiriça em sua frente. Lembra-se de um detalhe óbvio: corpo não tem maçaneta. E via: a porta era um espelho. Ainda inteiro.