domingo, 23 de junho de 2013

Ainda arde.



Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
(Carlos Drummond de Andrade)


Eu enxerguei aquilo que sentia, cercado por todos, desconhecidos, anônimos, cobertos. Os pulmões pareciam explodir, mas de um ar verde, que florescia uma coragem titânica. Centenas, milhares, passos, gritos e uma vontade de estar ali, em marcha, de mãos dadas ao desejo de todos, também meu. 

Uma segurança inabalável, que tornava clara a vista, fixava meus pés lá na multidão andante. Uma guarda com olhos de condor. E a guarda, de duro cinza e barro, em nossa frente. O primeiro estrondo embaça a vista e o controle: mãos separadas, direções desencontradas numa mistura de tropeços. O ar, nas entranhas, pesa um vulcão, explodindo ardores e raivas, fazendo com que muitos enfrentem, avancem, apedrejem, xinguem. 

Quando a noite chegou, após algumas horas do início da marcha, o medo me cobriu; uma paralisia que sequer deixava-me tremer. Os ossos estavam estancados no asfalto, como se fossem cavar ali uma cova. Não via mais as fileiras formadas por aqueles que ao meu lado. Noturno, turvo e tenso era o chão que sob meus pés tremia, quando uma legião de estrondos e fumaça cercou minha ruína. Onde eu pisava e para onde eu ia apenas o terror poderia balbuciar. Desesperadamente. Bebi a gota que Cristo cuspiu, em agonia. Uma sede inglória de vinagre barato, sacro e criminoso. Corria da morte, já tendo o Inferno a arder tudo. O sangue e o vinagre escorriam, misturando o que não cabia em fôlego, grito, dor e peito. Tudo escurecia ainda mais, e não havia mais redenção do corpo: girava perdidamente nos círculos ínferos que meu choro havia se tornado.

Há uma bomba de gás em meu raciocínio. Há uma fumaça ardendo minha perspectiva. Mãos e pés tremem, apoiados no etéreo sopro da confusão. A voz ainda falha, silenciada pela gota de lágrima que não desceu. Que corre. Que, trêmula, me aterroriza. E arde.

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