domingo, 9 de maio de 2010

O ilhado



Perdido em uma garrafa errante na insana tormenta, parecia esconder uma alegria naquela canção, escrita num papel amassado dentro do vidro viajante. Embora errante e muda: o mar, nas suas vagas, velava o som com um silêncio azul. Resgatado por barcos quaisquer, o frasco, nada tendo de especial, era logo arremessado novamente ao oceano, continuando a vagar na ilusória bonança da esperança. A sinfonia silente segredava um ‘sim’ a um sorriso, ao sonho, ao que, na ilha, não havia – por mais que outros teimassem em ser habitantes dela. Nem o solitário habitante lembrava ao certo da canção, rabiscada em leves traços numa folha improvisada. Precário vidro, frágil página de um outro frágil, sentado debaixo de um coqueiro, enjoado pelas voltas do mar e murmurando trechos da fragmentada música: pedaços de notas nadando no mar das vontades, mergulhando em um íntimo escondido nas areias do esperar.



Um comentário:

  1. (..)Da-me um barco, disse.
    E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou.
    Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem.
    Disparate, já não há ilhas desconhecidas
    Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas?
    Estão todas nos mapas
    Nos mapas só estão as ilhas conhecidas
    E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura
    Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida(...)

    José Saramago

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